Quem conta um conto aumenta um ponto #4


Eternos 
Queen Hady

 (Conto postado no NYAH)

O sangue escorreu pelo carpete, sujando-o. Os lábios de batom vermelho cereja, abriram um sorriso mordaz e casualmente continuou a beber seu dry Martini, observando com uma frieza calculada sua vitima moribunda.
O casaco cinza foi deixado sobre o cabide, sapatos foram retirados, silencioso, atravessou o hall e bagunçando o cabelo caminhou em direção à sala de estar.
A lareira estava acessa, e ele pensou em ficar lá por alguns minutos, afastar o frio do inverno rígido lá fora. O corpo estava lá, o pescoço cortado, o batom borrado. O rosto antes belo marcado pelo rastro de unhas furiosas.
Fúria.
E então o pânico.
Chorando ele caiu de joelhos ao chão, levando o corpo da amada para junto de si. Soluçando, desesperado, gritando por Deus, temendo pelo diabo.
— É sua culpa. – Diz a voz rouca, a face oculta pela sombra da escuridão, um brilho pálido de luz iluminando sua silhueta.
Ele encara a face pálida, o batom impecável, o vestido negro e o sapato vermelho. O cabelo preto bagunçado ao seu redor. Uma louca. Uma mulher. Bela, fatal, mordaz e com tanto medo de ser esquecida, que cometeria uma loucura antes que seu rosto fosse esquecido da memória dele.
— Eu não queria nada disso – Ele responde ainda chorando.
— Destruí-la? Jurar-lhe amor? Engana-la? Você tinha a escolha e mesmo assim veio a sua cama.
— NÃO É MINHA CULPA – Gritou ele, mas nada lhe foi respondido no vazio. — Ainda está ai? – Pergunta confuso.
A lua se aproxima. Seu brilho falso e pálido, roubado das estrelas, novamente ilumina uma silhueta feminina que se faz presente no cenário.
— Vamos fechar a cortina, encerrar o ato. Preferir à eterna ignorância a resposta de nossos atos... Ou se tivermos coragem espiar atrás dos bastidores.
— Do que falas?
— Do amor e da morte. A vida é como um palco, a morte encerra o ato encenado, o amor forjado e mascarado de herói, quando se é o vilão.
— Você, foi você que a matou.
— Você é tão culpado quanto eu. Quando ela ergueu a faca foi seu rosto que lhe veio à memória, foi seu nome que chamou... Foi por você que implorou.
— Não me trate como o culpado.
— Sabes que é. É a chama, e ela como uma tola mariposa se deixou atrair, apenas para ter suas asas queimadas.
— Eu a amei.
— Em um tempo tão efêmero que poderia se passar em um mísero segundo.
— Eu... Eu, eu iria reencontrá-la novamente. Poderíamos ser felizes, tentar mais uma vez.
— Veio tarde. – Responde a voz feminina com as lágrimas começando a escorrer entre os seus lábios, o gosto salgado em sua boca. — Veja o que me fez fazer... Eu estou morta – Diz enfurecida a fantasma. — Por lhe amar, me suicidei, por desejá-lo meu espírito permaneceu aqui... Esperando por seu retorno.
Ele deposita o corpo cuidadosamente sob o carpete e com passos firmes se aproxima, tenta beijá-la, mas ela não está lá. Apenas seu espírito, sua presença.
— Deixe-me unir a você – Ele pede com os olhos tristes.
Ambos choram.
É assim que deveria ter sido? Era esse o destino? Se amarem até se destruírem e ao se destruírem se amarem?
— Já é tarde.
— Não, não é.
Ele retira a faca da mão esquerda do corpo de sua amada e, encarando seu pálido espírito, perfura seu coração.
Estariam juntos para sempre.
Eternos amantes.
Eternos solitários.
Eternos.


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