O Travesseiro

... de Rô Mierling



Ela tinha muito sono. Vivia cansada. Trabalhava muito, do amanhecer ao anoitecer, sempre em função de sua pequena fazenda. Era ela e seu esposo, ambos já de idade, não muito avançada, mas chegando perto dos 50 anos.
O serviço na fazenda era cansativo e pesado. O casal não tinha condições de contratar pessoas para ajudar. Portanto ficava ao encargo dos dois cuidar dos animais, da horta, da casa e da pequena lavoura.
Celia acordava as cinco da manhã, fazia o café e ia tirar leite da vaca. Em seguida começava seu longo dia junto com seu esposo, que por sua vez havia acordado um pouco antes dela para alimentar as galinhas.
Eles viviam uma vida um pouco sofrida, mas eram felizes dentro de suas limitações.
Casados havia já 30 anos, não tinham muitos parentes, moravam na casinha afastada da cidade e da estrada principal.
Jairo, o marido, tinha uma velha caminhonete que nem sempre funcionava, mas atendia-os nas urgências e no transporte de seus poucos produtos para a venda nos mercadinhos da cidade.
Mas já há uma semana que Célia estava sentindo mais sono, um sono estranho e cansativo. Às vezes nem bem dava quatro da tarde e ela já estava com os olhos pesados, com o corpo cansado.
- Estou ficando velha – pensava Célia.
E o tempo passou.
Em uma quinta feira Célia não conseguiu se levantar da cama, tamanho era seu cansaço e sono.
Na cozinha Jairo aguardava a esposa fazer o café para ambos começarem seu dia na fazenda.

Depois de esperar por quase uma horário bateu a porta do quarto e viu Celia ainda dormindo, estranha, mas não a acordou.
- Ela deve estar muito cansada, vou deixá-la descansar mais um pouco – pensou Jairo saindo para seus afazeres.
Mas na hora do almoço ele retornou e Celia ainda não tinha saído do quarto. Ele preocupado tentou acordá-la e ela abrindo os olhos disse estar muito cansada e que preferia ficar na cama mais um pouco.
Jairo compreensivo assentiu e foi para a cozinha, preparou algo para comer e levou para Célia que recusou alegando que estava com sono.
- Que estranho nunca vi ninguém dormir tanto – pensou Jairo voltando para a lida na fazenda.
Ao entardecer Jairo voltou para casa e encontrou Celia na cozinha, sentada na cadeira com a cabeça abaixada na mesa.
- O que você tem?
- Estou com sono, cansada, com dor atrás da minha cabeça – respondeu Celia.
- Mas você dormiu o dia inteiro, quem sabe é febre? – disse Jairo indo buscar um termômetro.
Ele mediu a temperatura de Célia, mas ela não estava com febre. Ela se levantou e disse que iria deitar mais um pouco. Jairo sem saber o que fazer fechou a casa, jantou e também foi se deitar.
No dia seguinte, no outro e no outro, Célia não mais tinha forças para se levantar, definhava a olhos vistos. Jairo até queria levá-la no médico, mas ele não pode, pois seu carro se recusou a pegar. Ele a alimentava na cama mesmo, ajudava ela a ir ao banheiro e rezava.
Os afazeres da pequena fazenda foram abandonados, o casal agora ficava apenas no quarto, Celia deitada e Jairo aos pés da cama sem saber o que fazer. Célia levantava apenas a cabeça, acordava por minutos somente para queixar-se de dores cada vez maiores na cabeça.
Ao final de uma semana com Célia acamada Jairo revolveu ir até a cidade caminhando pela estrada afora em busca de um médico ou de alguém que pudesse ajudar Celia. Sai pela manhã e a tarde  retornou sozinho, o único médico da cidade estava viajando, mas retornaria em cinco dias e iria visitá-los. Mas Célia não resistiu. Já não comia, não falava e mal abria os olhos.
Quando enfim o médico foi visita-los Célia tinha acabado de falecer.
O médico aproximou-se da cama e ao examiná-la superficialmente já detectou sua morte indicando a Jairo que providenciasse o enterro.
No mesmo dia, senhoras de caridade foram a fazenda ajudar a Jairo com os preparativos e quando tentaram levantar Celia da cama para arrumá-la para o enterro se deram conta do pouco peso de seu corpo. Parecia que ela tinha sido literalmente sugada pela morte.
O corpo foi arrumado e colocado no caixão na sala para o velório. Uma das senhoras de boa vontade foi arrumar e limpar o quarto onde antes dormia Célia, qual foi sua surpresa quando pegando o travesseiro percebeu que ele tinha o peso semelhante ao de uma pedra. Pesado, denso, quase duro. Ela estranhando tentou sacudi-lo, mas devido ao seu peso não era possível. Ela então desceu até a sala e chamou Jairo que com ela foi verificar o incidente curioso. Jairo levantou o travesseiro, mas com dificuldades e incomodado com aquele fato colocou o travesseiro em cima da cama e o apalpou encontrando ele quente, quase pulsante com pequenos furos de onde saiam gotinhas de um líquido vermelho.
Ainda mais intrigado Jairo pegou uma tesoura e furou o travesseiro de Célia na tentativa de entender o mistério. O travesseiro que era para ser composto de apenas penas de ganso tinha uma massa vermelha e esponjosa dentro dele, onde as penas se mesclavam e bem no meio dessa massa um pequeno ninho de verme se encontrava misturado a pele, sangue e penas. Jairo e a senhora saíram do quarto horrorizados e chamaram o médico que analisando, detectou serem vermes de ganso que quando encontravam ambiente propício, com calor, escuro e umidade, se proliferavam abundantemente. E por ocasião de uma das vezes que Célia se deitou, começaram a fazer ninho em seu travesseiro e se alimentar de sua carne através de um pequeno furo atrás de sua cabeça.
Toda vez que Célia deitava no seu travesseiro de ganso os vermes entravam pelo pequeno furo feito na noite anterior e ali se alojavam, se alimentando até que ela não mais conseguiu levantar devido à fraqueza, nesse momento os vermes dominaram sua cabeça e sugaram dela carne e sangue.

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15 comentários:

  1. Respostas
    1. kkkkk ainda bem que sabe, mas adoro seus contos sinistros...rsrs. Beijos

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  2. Nossa nunca mais dormirei direito novamente. Muito forte esse conto.

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  3. olha achei muito estranho,vermes no travesseiro................sinistro

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  4. Gente :o, me deu medo isso. Sorte que meu travesseiro não é de penas de ganso.

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  5. Esse final foi um tanto quanto nojento hehe Mas a crônica é bem legal


    http://cartaen.blogspot.com.br/

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  6. O texto ficou super legal.
    Espero ver mais por aqui.

    Beijos

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  7. Meu Deus O.O
    Colocando meu travesseiro no lixo agora mesmo kkkkk :o
    Que medo disso!!

    Beijos
    http://www.sacudindoaspalavras.com.br/

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  8. Nossa, que bizarro. Muito tenso esse conto. Medo de travesseiros de penas de ganso agora.
    Muito bem escrito... a Rô Mierling escreve muito bem, vou participar do Book Tour do livro dela "Contos e Crônicas do Absurdo" e estou ansiosa!!

    Beijinhos,

    Rafaella

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  9. Nossa o.o Vou olhar meu travesseiro o.o
    bjs
    http://horadaleitur.blogspot.com.br/

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  10. Ui! Que terror! To sismada agora... vou ficar apalpando meu travesseiro todo dia... [calafrio pela espinha]. Eu, hem! :p

    Dani
    A Thousand Lifetimes

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  11. Nossa que horror!
    Abandonando meu travesseiro nesse momento haha
    Show o texto, bem escrito!

    Beijos
    Lara - Magia Literária
    http://www.magialiteraria.com/

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