Segunda-feira Negra
S.M. Oliver
O primeiro dia de aula da semana seguia-se arrastado com um discurso monótono sobre as guerras mundiais. Benjamin coçou o queixo e bocejou antes de cruzar os braços em cima da mesa e apoiou a cabeça. Não estava se importando se a professora iria chamar a sua atenção ou não. Sentiu um olhar sobre ele, e apenas virou a cabeça o suficiente para seus olhos enxergarem Lia. A menina mais gata do terceiro ano. Ela sorriu, para sua surpresa. Ele correspondeu, mas seu sono foi maior e por fim enterrou a cabeça nos braços novamente.
O sinal tocou e Lia foi a
primeira a se levantar. Levou com ela sua mochila e foi até o banheiro.
Lavou o rosto e retocou a maquiagem para a próxima aula. Estava
pensando em Ben, o garoto que sempre dormia na aula. Ele até que era
bonitinho...
Quando acabava de se maquiar, as luzes piscaram
duas vezes até se apagarem de vez. Então ouviu um som ensurdecedor vindo
de fora e teve que tapar os ouvidos. Aquele não poderia ser o habitual
sinal para voltarem à classe. Parecia que seus tímpanos estourariam com
aquela onda sonora. Soltou um grito, e agachou-se no chão. Depois de
mais alguns segundos, o barulho parou. Ela respirava ofegante, e
percebeu que o som a deixara zonza. Foi se arrastando até a porta do
banheiro e a abriu. Colocou o rosto para fora, só havia a luz das
janelas que ainda iluminavam parcialmente o lugar e se levantou de um
salto quando percebeu que não havia ninguém nos corredores. O que era
extremamente estranho. Haveriam se escondido do barulho?
- Olá? - ela chamou. - Sabem o que aconteceu?
Mas
ninguém respondeu. Ben acordou sobressaltado, e percebeu que estava
sozinho na sala. Esperou os colegas voltarem, mas nada... Então decidiu
sair e ver se por acaso a aula havia terminado, mas encontrou a escola
completamente vazia e escura para àquela hora.
Correu até a
janela, e viu o céu estranhamente cinzento, quase negro, e ainda eram
quatro da tarde. Foi até o corredor, tentando se acostumar com a falta
de luz e correu até a sala do diretor, mais uma vez ninguém foi
encontrado. Voltou depressa para sala, quando trombou em alguém.
- Lia? - disse ao ajudá-la a se levantar.
- Ben! - ela quase gritou e foi abraçá-lo. - Eu achei que todos estivessem sumidos! O que está acontecendo?
- Eu não sei... Mas acho melhor sairmos daqui, eu te levo no meu carro.
Ele
correu até a mesa do professor e pegou uma lanterna, que os guiou até
fora do colégio onde estava o carro dele, uma pick-up velha e cinza.
Entraram no carro e ele girou a chave, fazendo um barulho muito alto no
motor.
- Cuidado! - alguém gritou, batendo no vidro da janela do motorista e assustando os dois. - Eles estão aqui...
Era o professor de matemática. Parecia descontrolado.
- Do que está falando? Entra no carro...
- Não tem como se esconder - ele continuou com a voz insana. - Sabia que chegariam...
Lia estava muito assustada com a atitude do professor.
- Professor, entre no carro. - Benjamin pediu.
-
Acabou... Não podemos escapar... Não se engane Ben, nem tudo que parece
é... Eles... Eles não têm rostos... Alimentam-se de você... Não olhem
nos olhos...
Nesse momento, Ben teve certeza de que o professor
estava louco, mas não teve tempo para pensar. Avistou pelo espelho
lateral uma enorme escuridão que se formava no horizonte, uma névoa
negra, vinha em direção à estrada rapidamente. E apesar de estar
assustado, não pensou duas vezes, pisou no acelerador e arrancou com o
carro, fazendo os pneus cantarem na estrada, deixando a figura do homem
ensandecido para trás. Pelo retrovisor assistiu o professor sendo
alcançado pela estranha fumaça, e sentiu um frio na espinha.
- Ah meu Deus, vamos morrer não vamos? - Lia abraçava seu próprio corpo.
-
Calma vai dar tudo certo - ele disse, até para convencer a si mesmo. -
Moro numa fazenda a dois quilômetros daqui. Tem um velho celeiro, e uma
casa embaixo dele. Lá tem bastantes suprimentos, remédios, camas,
lampiões e querosene. Se tivermos que ficar escondidos até essa
escuridão passar isso vai servir. Meu avô construiu na época da guerra,
se caso viesse para esses lados. Acho que agora tudo faz sentido. Tipo
coisa que devia acontecer sabe?
- Não, não sei.
Quando
chegaram à fazenda, Lia segurou nas mãos de Ben e apertou com força. Ele
se afastou e soltou-se, correndo em direção a casa, gritando por seus
pais.
- Ben, não! Olhe!
Benjamin caiu para trás ao ver a nuvem espessa e negra que cobria sua casa.
- Venha, não podemos ficar aqui, Ben!
Lia
o ajudou a levantar-se e ambos correram em direção ao celeiro. Mas ele
parecia estar a quilômetros de distância. E enquanto isso, a escuridão
cobria rapidamente toda a fazenda.
Ben escancarou o portão do
celeiro, e correu até a tábua de madeira que servia como porta do
esconderijo subterrâneo. Conduziu Lia, quase a jogando para dentro.
Soltou um gemido quando viu a fumaça negra alcançar o portão do celeiro.
Então avistou a espingarda pendurada junto às ferramentas do pai, a
alguns metros dele. E em tão poucos segundos tinha uma decisão a tomar.
- Anda Ben, não!
Com
cinco passos alcançou a arma, e sentiu o vapor chegando quando
finalmente se enfiou no esconderijo. Olhou uma última vez para a
escuridão que se aproximava, estendeu o braço, alcançou a porta e a
puxou para baixo. Mas não antes de sentir a névoa tocar sua pele, e
gritou de dor assim que trancou o esconderijo por dentro.
- Você está bem?
- Acho que sim - disse ofegante.
Os dois se olharam por um longo tempo, imaginando certamente, que agora só tinham um ao outro.
Passaram
os primeiros dias quase em total silêncio, ainda assustados demais para
falar sobre o que havia lá fora. Não imaginavam se era um acontecimento
somente na cidade ou em mais algum lugar. Por ora, estavam seguros.
Havia um banheiro e a água funcionava. Os suprimentos dariam para meses.
Mas ambos não cogitavam aquela possibilidade. E eles se perguntaram
intimamente o que realmente estava acontecendo? Quem ou o que provocara
aquela escuridão? Ben decidiu que o que quer que fosse, o enfrentaria em
breve.
Aos poucos começaram a falar, coisas fúteis e bobas,
detalhes da vida de ambos, tentando esquecerem-se da escuridão. Mas
mesmo assim Lia parecia muito triste, e Ben pensou que estava
enlouquecendo, pois ouvia constantemente a voz de sua mãe lhe chamando.
Mas algo dizia no fundo de sua mente que não era ela.
No dia
quinze abrigados ali, nada parecia fazer sentido, e eram ouvidos muitos
barulhos e ruídos por todo celeiro. Os dois estavam muito assustados.
- O querosene acabou - Ben anunciou. - Vou ter que buscar lá me cima.
- Você não vai me deixar sozinha - ela logo falou.
- Não vou demorar...
Ela se levantou, dando sinais de que não iria mudar de ideia.
- Fique atrás de mim - ele cedeu contrariado.
Lia
concordou com a cabeça, e com cuidado Ben carregou a espingarda e
destrancou o esconderijo por dentro. Subiu a madeira com cuidado, e
enxergou a escuridão.
- Está escuro... Mas a névoa sumiu... - Lia observou.
Poucos
segundos depois estavam do lado de cima, impressionados com a visão ao
redor. Estava escuro, mas havia claridade no céu. Era de manhã
provavelmente, era como um dia de muita chuva, só que com o dobro de
escuridão. O celeiro estava destruído, com apenas uma das paredes de
madeiras de pé. Ao longe avistaram a casa de Ben, completamente
destruída.
- Precisamos tentar sair daqui. - disse Ben.
- Olhe o carro.
Ben olhou em direção onde ela apontava, e viu que seu carro estava em baixo de uma parte de madeira, provavelmente do celeiro.
- Não podemos mais ficar aqui. Vamos embora.
- Pra onde? Nessa escuridão? Eu estou com medo! E não vou sair da cidade sem encontrar meus pais e minha irmã.
Ben não disse nada, apenas caminhou com cuidado até o carro, mas Lia parou de repente.
- Lia... - Ben não havia chamado por ela... De quem seria aquela voz sombria? Ele pensou. - Lia... Estou aqui.
- Lara? - Lia chamou desesperada.
Ben ficou perplexo, como Lia podia pensar que aquele sussurro fantasmagórico era de sua irmãzinha?
- Lara, onde você está?
- Aqui...
Ambos olharam em direção a única parede de pé do celeiro. A voz parecia vir de lá.
- Lia, não é sua irmã.
Mas
Lia parecia não ouvir nada além daquela voz estranha, que soava
estranhamente como a doce voz de sua irmãzinha aos seus ouvidos.
Lia caminhou devagar em direção à voz, e Ben a seguiu cauteloso, sabendo que nunca poderia impedi-la.
- Socorro...
-
Lara! - Lia saiu em disparada, e Ben tentou segurá-la pela cintura, mas
ela se soltou e correu para o celeiro novamente, onde desapareceu do
seu campo de visão. Benjamin ouviu algumas gargalhadas e concluiu que
devia estar mesmo louco. Elas vinham de todos os lados, e ele apontava a
espingarda em todas as direções, como se isso fosse fazê-las parar.
-
O que querem seus desgraçados?! - ele bradou, antes de atirar no
primeiro vulto que viu. - Apareçam! - Mais um vulto, e mais um tiro.
Benjamin recarregou a arma, e sentia o suor escorrer em seu rosto, apesar de estar muito frio.
- O que querem? - dessa vez ele sussurrou.
Foi
quando ele finalmente viu algo se mover atrás da parede de pé. Uma
sombra, um vulto, tomando uma forma estranha, indistinta. Ben teve que
cerrar os olhos para assimilar o que estava vendo, e por certo
acreditava estar delirando.
- Onde está Lia? - ele perguntou à coisa que se aproximava. - Pare, ou eu atiro!
Apesar
de não poder enxergar direito o que era, o único ponto evidente eram
dois círculos brilhantes no lugar onde seria a cabeça de uma pessoa
normal. Então ele lembrou-se naquele momento de algo muito importante:
"Não se engane Ben, nem tudo que parece é... Eles... Eles não têm rostos... Alimentam-se de você."
Sem pensar duas vezes, Ben apertou o gatinho e atirou naquela coisa disforme, que caiu no mesmo instante.
Ben
correu até a coisa em que havia atirado, pronto para colocar mais uma
bala dentro daquele ser negro. Seus olhos foram se acostumando à
escuridão, e então ele pôde ver o que na verdade estava ali no chão.
- Lia... - ele sussurrou com a voz embargada. - Não, não... Não!
Ben
caiu de joelhos e segurou Lia nos braços, sentindo um terrível ódio de
tudo e de si mesmo. A bala acertara a barriga, e ele infelizmente a viu
agonizar até a morte, em seus braços.
"Acabou... Não podemos escapar... Não se engane...".
Ben
sentiu o ar mais frio se aproximando e só teve tempo de olhar para
cima. Bem ali, a centímetros de seu rosto, os círculos brilhantes, o
rosto sem forma, o mistério que ele nunca chegaria a revelar. E teve
vontade de perguntar o porquê. Mas os círculos se iluminaram uma última
vez e Ben sabia o que viria a seguir. Nenhuma resposta seria dada. E o
fim era tão estúpido e sem sentido como o início.
"Não olhem nos olhos...".
De repente sua visão ficou escura... Era só escuridão... Como tudo havia começado.
FIM
Muito boa a narração. Envolvente e detalhista.
ResponderExcluirObrigada Grazi! Bjo.
ExcluirGosto desse seu conto. Não sabemos o que é, mas imaginamos muitas coisas.
ResponderExcluirbjs
adorei , quero mais.
ResponderExcluirTem mais ? eu quero.
ResponderExcluirAmei seu conto parabéns.
beijos
http://estudiodecriacaoblog.blogspot.com.br/
Oi. gostei bastante de seu conto, fiquei presa logo no primeiro parágrafo, espero encontrar mais pro aqui. Parabéns!
ResponderExcluirOlá,
ResponderExcluirParabéns pelo seu conto.
Gostei dos detalhes e de como nos envolve na leitura.
http://euinsisto.com.br
Olá, adorei seu conto, sua narrativa conseguiu me deixar envolvida do começo ao fim *-*
ResponderExcluirVisite "Meu Mundo, Meu Estilo"
Ai que conto incrível.
ResponderExcluirA narrativa é muito gostosa e envolvente. Parabéns!
Beijos
http://ummundochamadolivros.blogspot.com.br/
Uau! Adorei o conto Sabrina. Envolvente e bem escrito. E parabéns pela publicação do conto na Antologia. Mais que merecido.
ResponderExcluirBeijos!
Academia Literária DF
Que conto envolvente, repleto de detalhes e que leva a imaginação longe. Curti muito! :D
ResponderExcluirBeijos, Min - www.yasminbueno.com
Adoro contos e adorei este! Espero ler outros de sua autoria!
ResponderExcluirBjs
Oi, tudo bem?
ResponderExcluirGente, que conto mais incrível, sério, fiquei aqui assustada com o rumo que as coisas estava levando. Cadê o final feliz? kkkkk Enfim, ficou realmente muito bom, me senti envolvida com a narrativa.
beijos :*